Sertão Teológico

CONHECIMENTO E COSMOVISÃO - COMO O QUE SABEMOS DETERMINA O QUE SOMOS

No âmbito da “pessoa”, do “sujeito”, pode-se definir “cosmovisão” como a “filosofia do indivíduo”, a sua leitura pessoal do mundo. Essa “visão de mundo” se associa, necessariamente, ao caráter e é um dos fatores determinantes da conduta exterior. Os seus elementos formadores se sucedem ao longo da vida, e são advindos de várias fontes, como a cultura, a filosofia e a religião.

Em termos relativos, o homem é o que pensa. O ser interior é o ser real. A exterioridade é uma realidade relativa, isto é, os comportamentos nem sempre correspondem aos sentimentos e às convicções interiores, e em muitos casos são comportamentos de conveniência, e não reflexos da realidade interior. Este é um dos grandes conflitos da humanidade: o paradoxo entre o ser real (o ser interior com sua cosmovisão) e o ser conveniente (o ser exterior, que busca satisfazer às pressões da sociedade).

Este conflito se dá pelo fato do homem se legitimar apenas por meio de suas convicções interiores. Ele encontra-se a si mesmo somente quando se torna coerente com estas convicções. O homem trai a si mesmo quando se nega a agir de acordo com sua cosmovisão.

No entanto, isto não significa que ao agir em conformidade com sua cosmovisão, o homem estará, de fato, agindo corretamente. Se sua cosmovisão estiver errada, sua conduta estará errada, mesmo sendo coerente com aquela. Portanto, a fonte suprema dos erros de comportamento é a concepção interior do que seja a verdade.

Quando olhamos para a nossa sociedade, percebemos que as pessoas estão cada vez mais confusas em suas definições do que seja a verdade. O relativismo é uma das marcas de nossa época. Talvez em nenhum outro período da história se teve tantas dúvidas acerca do que é a verdade. Isto se dá pelo fato de grande parte de nossa sociedade ter abandonado os universais na formação dos paradigmas epistemológicos, isto é, de se ter rejeitado o conceito de verdades absolutas como base para a obtenção do verdadeiro conhecimento. Por isto, as cosmovisões passaram a se formar, cada vez mais, a partir de conceitos fragmentados, e se tornaram, em sua maioria, essencialmente existencialistas e utilitaristas.

Na visão do pensador e escritor Francis Schaeffer, o existencialismo é o subproduto do racionalismo humanista. No seu livro “O Deus que Intervém” ele aborda as várias fases do existencialismo, desde sua expressão filosófica em autores como Karl Jaspers (1883-1969), Jean-Paul Sartre (1905-1980), Albert Camus (1912-1960), e Martin Heidegger (1889-1976), até sua manifestação pragmática na cultura em geral. Segundo ele, os veículos de comunicação de massas se encarregaram de difundir essa cultura pelo mundo, até aos dias de hoje.

O modo existencialista de viver reivindica autonomia e liberdade de pensamento e de ação, rejeitando a ideia de “absolutos”, inclusive no campo moral. O homem contemporâneo, em grande parte, estabelece sua filosofia de vida sobre estruturas questionáveis e muitas vezes corrompidas, mas que lhe são convenientes. O que o realiza é o que apela aos sentidos, o que o faz se sentir bem. Sua leitura da existência aponta nesta direção: a de que os processos dinâmicos da história devem concorrer para o seu bem-estar nesta vida. E “esta vida” é tudo o que o homem que não conhece a Deus enxerga. Isto é a causa da corrupção em todos os níveis da experiência humana, quer pessoal, quer social. Daí brotam os desajustes de conduta, a desagregação familiar, as “orgias” políticas, e toda sorte de desatinos.

Faz-se urgente a adoção de uma nova base para construção das cosmovisões. O bom senso, orientado pelas amargas experiências da sociedade, o declara. Apenas o conhecimento de Deus pode prover esta base, pois este estabelece um rompimento necessário com essa estrutura falida e inaugura novos processos de avaliação da realidade. Quando o homem obtém esse conhecimento, ele aprende a substituir os seus conceitos pelos de Deus. E não há como ser diferente, uma vez que ele se vê diante da verdade absoluta do universo, que é a verdade divina. A contemplação do Ser divino, com base em Sua revelação, torna o homem consciente de sua limitação pessoal e da limitação de sua cosmovisão.

O fato de ser Deus um Ser absoluto e absolutamente verdadeiro, cuja vontade é a verdade suprema do universo, que foi revelada de forma objetiva, determina a base sobre a qual se deve formar o mundo interior dos pensamentos: a Sua vontade. O conhecimento de Deus gera esta consciência e a transforma em convicção e em propósito na vida daqueles que se tornam maduros na fé. O homem que conhece a Deus aprende a submeter suas idéias e seus ideais a Ele, e sabe que quanto mais o fizer, maior coerência interior encontrará. Nas palavras de Schaeffer, “à medida que o cristão cresce espiritualmente, ele deve tornar-se um ser humano que, conscientemente, submete o seu mundo de pensamentos, bem como o seu mundo exterior, cada vez mais às normas da Bíblia”.

Essa nova base formativa da cosmovisão pessoal alarga as fronteiras ideológicas do homem. Ele aprende que a realidade é muito maior do que aquilo que está diante dos olhos. A consciência da eternidade passa a ser, em sua vida, uma poderosa força que anima as suas ações e intenções. A certeza de que o sentido de sua existência se encontra fora dele mesmo, isto é, se encontra em Deus, leva-o à decisão de ponderar acerca de cada escolha, de cada ato, de cada experiência, uma vez que ele chegou ao entendimento de que não são as experiências existenciais que autenticam sua vida.

A cosmovisão, transformada pelo conhecimento de Deus, visa a Sua glória, reconhece o valor do ser humano, considera que há sentido na existência, julga os valores da sociedade e exalta os valores do Reino de Deus. Ela deixa de ser autônoma em relação a Deus e torna-se dependente de Sua revelação. Assim, o homem passa a pensar em consonância com a vontade de Deus e absorve os Seus valores como sendo os seus próprios. E daí não pode brotar outra coisa, que não a reestruturação da personalidade e, consequentemente, da coletividade, à qual chamamos de sociedade.

Sobre o Autor

Alexandre Azevedo graduou-se em teologia no Seminário Juvep e na FTSA (Faculdade Teológica Sul Americana). Formou-se no Curso Livre de Fé e Política na Escola dos Sertões de Fé e Política. Concluiu a capacitação em gestão de escolas teológicas pelo GATE Brasil (Global Associates for Transformational Education). É pós-graduando em Formação Política para Cristãos Leigos no CEFEP-DF e PUC-Rio. É professor de Teologia Sistemática. Atualmente está envolvido na pesquisa sobre o impacto da secularização Pós-moderna sobre o cristianismo no contexto europeu (Alemanha, Gales e Inglaterra) e sul-americano (Brasil) junto ao Movimento Repensar.